rambling man

As nuvens corriam pelo céu cinzento a um ritmo frenético. O fluxo da cidade movimentava-se de um lado para o outro. As pessoas apressadas para chegar aos seus destinos fossem eles quais fossem.
De súbito, paro, cansada entre a multidão que na sua lufa-lufa se desloca em todas as direcções. Logo de seguida me sinto apunhalada, ferida por um olhar sem fim nem principio que se cruza com o meu.
Está a pedir-me qualquer coisa, talvez apenas uma palavra. Mas hoje, não sou capaz de a dar. Fiquei petrificada como se dentro de mim as emoções fervilhassem mas não fossem capazes de sair. A respiração estava ofegante e a alma confusa.
As suas mãos miseráveis giram em cada caixote do lixo, em busca da próxima refeição. Mas aquele olhar decadente penetra-me as entranhas, percorre cada bancada da minha alma em busca de um lugar confortável onde se sentar. E senta-se. Fala comigo aquele olhar. Por vezes diz frases com sentido, outras apenas diz palavras-chave como se as lançasse ao vento.
Diz-me que não siga aquele caminho, porque é uma estrada sem retorno em curva vertiginosa permanente.
Alguns, pela velocidade que experimentam, deixam que aquela curva acabe com as suas vidas… outros vão sobrevivendo ali, naquele ninho de decadência e tristeza.
A multidão apressa-se para o seu destino.
Mas há ali alguém que não tem destino.
Quero desligar-me daquele olhar, mas não consigo. Está demasiado perdido, demasiado sozinho. Encurralado numa prisão onde ele próprio se fechou.
Precisa de uma palavra, mas eu não a tenho.
Talvez porque me reconheço naquele olhar e nunca ninguém me ofereceu uma palavra em troca.
Hoje, a vida acolhe-me como um abraço perfeito. Mas os braços da vida, não são infinitos. Não conseguem abarcar todos…
“- Não é assim, Margarida”- oiço - “ Cada um constrói o seu caminho”.
Aquele olhar está perdido, mas sabe o que diz àqueles que passam, e que ainda apressados, conseguem olhar para os outros e ver mais fundo, onde o simples “ver com os olhos” não chega.
Gostava de poder escrever um fim para esta triste história. Mas hoje, depois de ver o fim de um caminho com os próprios olhos, percebo que cada um escreve a sua. É doloroso, mas é a vida. E a vida às vezes custa.
Por vezes parece mais fácil fugir, não viver entre quatro paredes que nos aprisionam e que absorvem as memórias como líquenes colados às árvores. Mas eu já aprendi que quando fugimos, há um certo momento em que tudo aquilo de que fugimos nos apanha de frente. Por vezes desprevenidos, quase sempre em modo avalanche, prestes a levar tudo à sua frente formando uma bola cada vez mais enorme. Aprendi também que para os “sismos emocionais” não há medidas de minimização de estragos. Muitas vezes eles vêm e tornam-se permanentes, levando a mais catástrofes e sucessivamente mais e mais problemas.
Não lhe dou palavras, mas dou-lhe um sorriso.
O sorriso que ele não tem, por ter perdido parte de si, parte da sua vida, do seu caminho.

Comentários

  1. Este texto deixou-me triste, mas pensativa. Mas à qualquer coisa de especial nestas palavras. Uma coisa mágica que não sei explicar. Se calhar é por isso que me apaixonei tanto por estas palavras. :)
    Adorei.

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  2. Este texto deixou-me triste, mas pensativa. Mas à qualquer coisa de especial nestas palavras. Uma coisa mágica que não sei explicar. Se calhar é por isso que me apaixonei tanto por elas. :)
    Adorei.

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  3. no olhar,Margarida,carregas generosidade.

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