maça com bicho
Verdade sentara-se na mesa de pedra branca sob a luz amarelada do candeeiro de luz frenética e instável. Sob a mesa encontrava-se uma taça de fruta e uma tigela de sopa.
Sempre que se sentava sob aquela luz que lhe apontava o olhar, acabava por engolir mais uma colher. E engolia, uma e outra vez.
Não porque tinha fome, mas porque desde pequena lhe diziam que não se devia estragar comida.
Havia sempre uma voz dentro da Verdade a dizer-lhe que não se devia estragar.
A sua vida conduzia-se como um jogo de xadrez, o dedo dos que a comandavam impunha força sobre a sua pequena peça que deslizando sobre o tabuleiro avançava ou recuava numa total entrega ao momento e à direcção sem saber quando existiria um Xeque-Mate para o adversário.
Para a Verdade nem havia um adversário.
Todos eram seus companheiros neste estranho modo de vida. Bastava deslizar pelos quadrados brancos e pretos.
O chão onde a Verdade caía era assim, geométrico e linear: de dimensões iguais independentemente da peça de quem se aproximava, e de duas cores apenas, branco ou preto, tudo ou nada, verdade ou mentira, ódio ou amor, abraço ou pontapé, beijo ou chapada, euforia ou apatia. Já caíra algumas vezes, mas havia sempre alguém para a levantar... Nunca seria capaz de o fazer sozinha e dentro de si sabia-o.
Um dia, o rei oponente estava quase a fazer Xeque-Mate, e Verdade sem saber sequer de que lado jogava continuava no seu Mundo ilusório desprendido de algum sentido ou noção real, até que o peão se move para a frente dela e lhe mostra como saír daquele tabuleiro de comandos, complicações.
Mas para exteriorizar todas estas dificeis questões foi necessário confrontar Verdade com a verdade.
Qual destas seria a real? A sua própria essência, que apesar de ser aquilo a que agarrava porque era quem conduzia não estava certa se Verdade era mesmo ela própria, pois se nem do jogo da vida sabia as regras, para quê colocar-se noutros jogos que ainda por cima jogava em mãos de outros?
A verdade não estava dentro de Verdade. E ela no seu íntimo mais profundo sabia-o, mas o que mais lhe custava era poder ter de exteriorizá-lo, não só pela imagem que lhe traria, mas também porque exteriorizá-lo seria admiti-lo para si própria e senti-lo.
Sentir-se-ia traída, enganada por si a si.
Sufocada com a sua própria maneira de ser, incomodada com a sua própria companhia...
Depois da saída de um tabuleiro de padrões geométricos lineares de preto no branco, apercebeu-se que a vida só se equilibra num contraste intermédio entre as cores extremas possíveis.
Apercebeu-se que os extremos são posições muito perigosas de assumir e manter reais.
Que antes de qualquer jogo vem a vida, e esta competição connosco é o que nos permite criar as nossas próprias regras. O produto deste jogo é nosso, e quem se conduz ao longo deste somos nós próprios.
Verdade compreendeu o mais importante: que ao querer apresentar-se como Verdade para o Mundo que a rodeava implicava ser uma mentira. Esta verdade fez ruir Verdade.
Como se um pequenino pedaço de estuque velho e frágil, (antes acreditado como uma parede sólida) ruísse sobre a Verdade e pusesse ao descoberto cada pedaço de si mais obscuro.
Cabia-lhe virar costas e saír.
Trincou a maça que tinha à sua frente, e ao observar com mais atenção o fruto brilhante apercebeu-se que possuía um pequeno buraco indicador de bicho.
"A Verdade não foi a primeira a chegar aqui"
Sempre que se sentava sob aquela luz que lhe apontava o olhar, acabava por engolir mais uma colher. E engolia, uma e outra vez.
Não porque tinha fome, mas porque desde pequena lhe diziam que não se devia estragar comida.
Havia sempre uma voz dentro da Verdade a dizer-lhe que não se devia estragar.
A sua vida conduzia-se como um jogo de xadrez, o dedo dos que a comandavam impunha força sobre a sua pequena peça que deslizando sobre o tabuleiro avançava ou recuava numa total entrega ao momento e à direcção sem saber quando existiria um Xeque-Mate para o adversário.
Para a Verdade nem havia um adversário.
Todos eram seus companheiros neste estranho modo de vida. Bastava deslizar pelos quadrados brancos e pretos.
O chão onde a Verdade caía era assim, geométrico e linear: de dimensões iguais independentemente da peça de quem se aproximava, e de duas cores apenas, branco ou preto, tudo ou nada, verdade ou mentira, ódio ou amor, abraço ou pontapé, beijo ou chapada, euforia ou apatia. Já caíra algumas vezes, mas havia sempre alguém para a levantar... Nunca seria capaz de o fazer sozinha e dentro de si sabia-o.
Um dia, o rei oponente estava quase a fazer Xeque-Mate, e Verdade sem saber sequer de que lado jogava continuava no seu Mundo ilusório desprendido de algum sentido ou noção real, até que o peão se move para a frente dela e lhe mostra como saír daquele tabuleiro de comandos, complicações.
Mas para exteriorizar todas estas dificeis questões foi necessário confrontar Verdade com a verdade.
Qual destas seria a real? A sua própria essência, que apesar de ser aquilo a que agarrava porque era quem conduzia não estava certa se Verdade era mesmo ela própria, pois se nem do jogo da vida sabia as regras, para quê colocar-se noutros jogos que ainda por cima jogava em mãos de outros?
A verdade não estava dentro de Verdade. E ela no seu íntimo mais profundo sabia-o, mas o que mais lhe custava era poder ter de exteriorizá-lo, não só pela imagem que lhe traria, mas também porque exteriorizá-lo seria admiti-lo para si própria e senti-lo.
Sentir-se-ia traída, enganada por si a si.
Sufocada com a sua própria maneira de ser, incomodada com a sua própria companhia...
Depois da saída de um tabuleiro de padrões geométricos lineares de preto no branco, apercebeu-se que a vida só se equilibra num contraste intermédio entre as cores extremas possíveis.
Apercebeu-se que os extremos são posições muito perigosas de assumir e manter reais.
Que antes de qualquer jogo vem a vida, e esta competição connosco é o que nos permite criar as nossas próprias regras. O produto deste jogo é nosso, e quem se conduz ao longo deste somos nós próprios.
Verdade compreendeu o mais importante: que ao querer apresentar-se como Verdade para o Mundo que a rodeava implicava ser uma mentira. Esta verdade fez ruir Verdade.
Como se um pequenino pedaço de estuque velho e frágil, (antes acreditado como uma parede sólida) ruísse sobre a Verdade e pusesse ao descoberto cada pedaço de si mais obscuro.
Cabia-lhe virar costas e saír.
Trincou a maça que tinha à sua frente, e ao observar com mais atenção o fruto brilhante apercebeu-se que possuía um pequeno buraco indicador de bicho.
"A Verdade não foi a primeira a chegar aqui"
Ninguém se pode dizer detentor da Verdade, embora possamos acreditar e de acordo com as nossas convicções mais profundas, tentar agir de modo a que nos sintamos de bem com a vida e de harmonia com quem nos rodeia. Esse poderá/deverá (em opinião pessoal) ser o desafio diário que faz sentido.
ResponderEliminarBeijinho:)
A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.
Carlos Drummond de Andrade
Maçãs são boas para comer eheh
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